terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Canaã e a Escola da Mata Atlântica

“Uma nova raça, que seria a incógnita feliz do amor de todas as outras, que repovoaria o mundo e sobre a qual se fundaria a cidade aberta e universal.”
Canaã, Graça Aranha, 1902

Foi no mês de outubro do ano de 2005, que um grupo de jovens; em sua maioria universitários em fase de conclusão de curso, habitantes da cidade do Rio de Janeiro; em busca de novas perspectivas para a vida e para a humanidade no principiar de um terceiro milênio, partiu em busca de sua terra prometida, numa pequena Aldeia Velha, onde fundaram uma comunidade: Canaã.
Em Canaã conviviam em paz e comunhão todos aqueles jovens da modernidade, primeiros herdeiros da era digital. Provenientes de todas as etnias, judeus, árabes, negros, orientais, indígenas… resultado de um século de democracia racial, e unidos por um ideal comum: a necessidade de transformação da consciência planetária em vista das consequências dos desequilíbrios ecológicos e espirituais causados pela humanidade nos últimos séculos.
O objetivo de Canaã era o de apaziguar todos os conflitos, reconhecendo em todos os seres humanos a possibilidade da comunhão, da irmandade. E viver em comunhão não só entre si, mas com todos os seres e com as lições que se pode tirar dos ensinamentos da Natureza.
Lançada a semente, em poucos meses já se podia ver os frutos e o poder da organização coletiva. Em janeiro de 2006, germinou uma idéia que viria a identificar melhor para a sociedade a idéia que Canaã buscava passar. Foi fundada a Escola da Mata Atlântica (EMA).
Com a consciência de que a educação é importante tanto para a transformação, quanto para a reprodução do sistema social, a EMA tinha por objetivo reconhecer os diversos saberes construídos a partir da relação que o homem do campo mantém com o meio-ambiente, relacionando-os com os saberes tradicionais e conteporâneos que têm se desenvolvido nas universidades. Desta maneira buscava ressaltar as implicâncias ambientais que poderiam ser notadas em cada micro-clima, constituindo uma espécie de saber específico para cada região.
Mesclando conhecimentos agroecológicos de diversas localidades da Mata Atlântica e de fora dela, trazendo ao povo do campo atra- ções culturais, dinâmicas teatrais, palestras, oficinas, etc. A EMA procura trazer a educação para fora da sala de aula, aproximando o educando do objeto de estudo e a vida cotidiana do conhecimento ensinado. E também, de outra forma, consolidando esse processo ao trazer o conhecimento do homem do campo para dentro da sala de aula.
Porém, ao estudar a história do modernismo e da literatura brasileira do início do século XX, descobri que essa história já havia sido contada, em outro tempo, com outras palavras, quando tudo era apenas a origem do que viria a ser depois.
Foi no ano de 1902 que Graça Aranha publicou o romance Canaã, uma pérola quase esquecida do pré-modernismo brasileiro. Apesar de Canaã não ter se tornado um clássico popular, a importância de Graça Aranha para o movimento modernista que viria é inegável. Tanto que ele foi escolhido como patrono da Semana de Arte Moderna de 1922, proferindo o seu discurso de abertura.
Mas o que esta obra clássica, esquecida na literatura brasileira, contribuiu de fato para a cultura nacional?
O romance Canaã marca um nascimento. Um prenúncio do que o pensamento brasileiro consagraria quase três décadas mais tarde. O nascimento do pensar miscigenado brasileiro. Canaã clamava por um Brasil original, que abandonasse suas vãs heranças européias, inúteis a realidade tropical; onde uma nova raça deveria nascer, mistura de todas as outras, da onde floresceria uma nova sociedade tropical, aberta e Universal.
Pouco mais de vinte anos depois, este pensar se consolidou com o Manifesto Pau-Brasil, com o Modernismo, e mais adiante com a Antropofagia e com a república nova de Getúlio Vargas.
Era o início do caminhar brasileiro na busca de si mesmo. Do Brasil da democracia racial, da igualdade de oportunidades, do respeito às etnias. Do Brasil colorido. Do Brasil que buscava uma genuína cultura tropical da floresta, sem perder de vista as escolas de pensamento européias.
Nessa perspectiva que, Oswald de Andrade teoriza, no manifesto Pau-Brasil, sobre uma escola da floresta tropical. E assim, termina ele o trabalho iniciado por Graça Aranha:

“O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua época.
O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica. A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.”

(OSWALD DE ANDRADE, Correio da Manhã, março 1924.)

A Escola da Mata Atlântica, e a comunidade Canaã do século XXI, nasceram com a marca da conservação ambiental como forma da juventude de hoje de olhar adiante. Num futuro onde precisaremos nos reeducar enquanto seres humanos, buscando conciliar os avanços da tecnologia e as características renováveis da Natureza. Onde devemos buscar a compreensão entre as diferentes crenças, culturas e etnias, sempre com o objetivo de trazer a paz e uma maior consciência para a vida de todos.
A EMA procura, cada vez mais, inserir os saberes do povo da terra nos catálogos e categorias acadêmicas, para criar um Brasil novo, de braços abertos para o século XXI. Para criar um Brasil bem brasileiro, feito pelas mãos e marcado pelos olhos do povo original destas terras.