segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Ei, Soldado...

O Soldado se liberta de seu fardo sujo, sua roupa gasta, sem brilho e sem cor, e ao mesmo tempo se liberta da marcha silenciosa e uniformizada. Ele corre contra todos os sentidos, corre, corre sem fim, desesperadamente, como se de repente tivesse sido fulminado por um fogo sem luz. Ele corre intensamente por minutos, contrário a direção de todos os pacientes soldados, corre contra eles até perceber que a marcha é infinita, que o fardo é bem mais resistente e que aquela malha vedada força contra o seu peito e dificulta sua tentação de respirar.
O Soldado então sente tontura, uma certa falta de ar e cai no chão agonizante, sem entender porquê aquele exército e porquê aqueles soldados a sua volta lhe olham com tanta estranheza e paciência.
A marcha é eterna e infinita, restrita ao tédio e ao sacrifício. Mas o Soldado não entende porquê. O Soldado não sabe quem determinou que naqueles campos floridos sob a brilhante luz do Sol toda sua vida seria aquela marcha e aquele fardo que o prendem em uma única direção.
Ele, agonizante e ajoelhado, levanta o seu rosto e olha a sua volta tentando ver o rosto de outros soldados.
Eles tem o mesmo rosto, a mesma expressão, o mesmo hipnótico sorriso.
O Soldado grita sem respiração e desesperado:
_Quem ordena este exército? Quem ordena este exército? _diz numa voz bufante e fanhosa.
Alguns soldados olham-no estranhos e dizem algumas palavras enquanto suas cabeças inclinam levemente. Os seus lábios movem, o Soldado tem certeza, mas o ar continua surdo e o vento sopra quieto, eternizando a surdez das vozes.
O ar falta-lhe mais uma vez, e dessa vez é quase fatal. O Sol se transforma em um azul escuro, e a cor transforma todas as flores do campo.
O que é aquilo? O que é isso tudo? Pensa o Soldado olhando a sua volta para um mundo insanamente selvagem.
Mas ao mesmo tempo que as cores se alteram, altera-se também a marcha e a expressão de todos os outros soldados. Os soldados não tem mais o seu sorriso hipnótico, tem agora na face a pálida expressão das caveiras. E ao mesmo momento que tudo se torna amedrontador nasce uma esperança no Soldado que começa a sentir o início de uma ventania e algumas vozes distantes que estão o chamando. O Soldado começa a se sentir louco, e então um pouco melhor.
_Soldado, venha conosco! _gritam alguns outros Soldados que passam correndo, estes cada um com o seu rosto_ Venha, temos de correr! Os generais estão atrás de nós!
Num alívio de um pensamento imediato o Soldado se levanta e começa a correr junto com os outros homens fardados em meio as caveiras e a luz escura do Sol que transfigura este estranho ambiente selvagem.
_Os generais?! _exclama o Soldado na corrida escura ao infinito. _Quem são?
_São os donos deste exército. _diz-lhe uma mulher loira com um rosto amigável. _São os comandantes dos caveiras desde muito tempo, seus pais eram donos do exército, e os pais de seus pais, e os pais...
_Oh! _espantou-se o Soldado enquanto a tempestade aumentava e a mulher lhe parecia mais distante. _Mas porque isso?
Todos os homens com faces continuavam a correr por entre as centenas de caveiras. Centenas, milhares que iam até o infinito...
_Eu não sei! _respondeu a loira mulher _Ninguém conseguiu entender isso até hoje. Parece que é uma fome de poder estranha, uma necessidade de dominar mais e mais, e mais e mais, na falta de alguma coisa... essencial.
O Soldado balançou a cabeça num sinal afirmativo enquanto expirava intensamente.
_Essencial... _repetiu ele, e mais uma vez a ventania tornou a aumentar.
_Parece que a natureza está a nosso favor! _brandiu uma voz grossa de um homem que estava às costas dos dois. Era um homem espirituoso e de cabelos castanhos.
O Soldado continuou a balançar o seu pescoço.
_Mas porque todas essas pessoas são caveiras? _perguntou com a dor entorpecente da infâmia pesando em sua cabeça.
_Ora... _ponderou a mulher loira.
_É difícil, é doloroso. _ completou o outro Soldado, espirituoso.
_Não é todo mundo que consegue despertar dentro de si a questão. Que aceita trocar o que existe pelo que é vazio. _recitou a mulher _Muitas pessoas não tem a sensibilidade da natureza. Elas ficam presas aos movimentos que enxergam a sua volta, ficam atadas a sobrevivência. Pois todos sabem que quem contraria a marcha vai ser pego pelo poder do general, alguns contrariam mas no primeiro sufoco desistem. Você até que tem reagido bem...
O Soldado sorriu um tanto cansado. Ele, no entanto, estava pegando o ritmo da corrida. Só não sabia aonde se daria aquele infinito, qual era o destino dos fugitivos Soldados com rosto.
_Penso que por algum tempo_ disse o homem de cabelos castanhos _teremos que continuar a correr.
_Vocês estão correndo a muito tempo? _perguntou o Soldado, noviço naquele transfigurado mundo, tenebroso e preternatural.
_Sim, _respondeu a mulher _mas nem sempre estamos a correr contra a corrente.
_Ás vezes paramos e ficamos a divertir e confundir os generais sobre a vida, que nos assistem sentados em seus tronos no alto de suas muralhas. _acrescentou o outro Soldado _Felizmente podemos fugir a arte.
O Soldado sorriu um grande sorriso, ele enquanto marchava já tinha ouvido falar sobre a arte. Tinha conhecido a arte e sorrido maquinalmente na artificialidade de seu agora antigo mundo.
_Mas agora eu acredito que teremos que continuar correndo por um tempo. _gritou a mulher na ventania _Acho que temos que juntar o maior número de Soldados possível, para que a natureza nos ajude em tempo. Antes que os generais consigam de vez destruir a natureza.
O Soldado ficou feliz, não pela vida mas pela esperança. Como seria bonita uma vida com a natureza! Uma vida sem caveiras, um mundo de homens com rosto que sentissem a ventania e a realidade. Que sentissem, assim como agora ele sentia, a essência brilhando multicolorida no centro de seu corpo, de sua mente, de seu espírito. Ainda bem, ele tinha que continuar a correr enquanto era tempo, tinha que chamar outras pessoas, tinha que contar sobre o universo da natureza.
_Ei, olha ali! _disse a mulher loira _Ei, Soldado...

2 comentários:

Unknown disse...

LelecOrgânico,
muito bão mermo esse conto!
Quando foi escrito ?
Abração!

Letícia Silvério disse...

Depois quero conversar com vc sobre esse conto...